20.6.07

Dossiê Jairo Ferreira


Enquanto o blogue anda mal das pernas, recomendo – com algum atraso – a leitura da Zingu! de junho, com um belo dossiê dedicado ao Jairo. Entre outras coisas, há uma pequena mas bem interessante seleção de artigos.

E em breve, novos textos também por aqui.

10.6.07

DÉCIO SARRAFO NOS FILMES

João Miraluar

A crítica dá subsídios, cobertura & distanciamento à criação, enquanto aquela só começa a ser criativa depois de passar pelo processo inverso. Ou seja, mau crítico, mau cineasta. Se isso não chega a ser regra, não há também exceções. O texto fílmico, de Eisenstein a Godard, sempre manteve o nível de equivalência, um fio da navalha que distingue quantidades, mas não separa qualidades.

Aparentemente, trata-se de individualismo, quando é implosão, ou megalomania, quando é integração em mosaicos. É a esse papo, sem o velho conceitualismo, que o pessoal torce hoje o nariz, no cagaço de colocar o novo incerto no lugar do velho certo & torto. Opção que poucos fizeram e que ninguém está radicalizando tanto como Dedo Pignatari. Meta vanguarda. A poesia, afinal, sempre foi concreta.

Ao contrário dos Irmãos Campos, Décio navega estruturalmente em todos os níveis/veículos. O horizonte do Poeta/Metacrítico/Metapoeta não se fixa nos limites manjados. A acusação do momento é de que ele é ultra-elaborado,neo-racionalista etc., o que soa tão falso quanto a outra velha acusação (diziam que a Poesia Concreta limitava a imaginação dentro de esquemas matemáticos, esquecendo que a linguagem tem uma grande ligação com a matemática). Ninguém lembrou que o Décio não pode ter sequer seguidores, pois não facilita diluições e, em conseqüência, o seu campo basicamente incentiva novas invenções.

Há que se dizer, no caso, que Décio fez uma tese sobre aspectos históricos do cinema brasileiro, bebendo inclusive na fonte do Paulo Emílio Salles Gomes, dado que o Poeta estava fazendo uma tese à USP-CINEMA. O reconhecimento ao professor, Décio deixou numa nota realmente comovente: "guardarei para sempre na memória a brilhante e comovente argüição-intervenção que fez, na qualidade de membro integrante da banca examinadora" (1).

Os subsídios, a abrangência, os horizontes novos (na medida do possível) em que Décio esta envolvido atualmente parecem e estão mesmo além das condições críticas e/ou criativas de mais do que alguns poucos. Tal nível de pensamento - apenas em se falando de comunicações – deixa ver bem como estamos subdesenvolvidos no setor.

Mas vamos fazer também a nossa pichação ao Décio. Pichação que, assinada e tudo, poderá levar, pelo menos, a uma aproximação, dada a involuntária solitude do homem e à nossa própria sede que talvez seja mais canina.

Em duas destas paginículas, poderíamos sintetizar uma evolução histórica do cinema nacional, bem mais ampla do que o material que serviu ao Décio em sua tese. O que ele teve ao alcance/interesse foram apenas recortes ao léu, até mesmo de caras desinteressantes como B.J.Duarte, mas também estilhaços de Sganzerla, jornalecos udigrudis, Mazzaropi, Massaini, depoimentos mínimos que denotam uma lacuna advinda de poucos contatos mais quentes com o cotidiano do cinema nacional.
A observar ainda: quanto à evolução dos movimentos, o capítulo pula rapidamente, como gato sobre brasa, direto do Cinema Novo para o movimento carioca do chamado grupo superoito. Sganzerla e Bressane, dois ruptores gerais, ficam como eminências pardas do superoito, que tinha em Torquato Neto um curtidor e incentivador.

Se o Rio tem Ivan Cardoso, São Paulo tem ao menos Otoniel Santos Perreira. O movimento paulista da Boca do Lixo (35/mm), que foi o grosso dessa finura (8/mm), sequer é citado por Décio, por mera desinformação. Coisas da aldeia e da implosão, pois nós também não vimos os filmes do Ivan e nem do Otoniel.

Sabendo das limitações da tese, o que se pode aguardar é um cara-a-cara de Décio com o metacinema brasileiro. O que lhe falta é saborear os biscoitos finos do Tonacci, Candeias, Trevisan, Egbert, Calasso Jr., Reichenbach, Callegaro & outros. Pois o melhor da tese está nos rodapés: "Com OS HERDEIROS de Cacá Diegues,o PSD já tem o seu Visconti", p.ex.

Nota:
(1) A tese foi publicada no último livro de Décio Pignatari: SEMIÓTICA E LITERATURA, nº 93 da coleção debates (Editora Perspectiva, 1974).

4.6.07

Entrevista com o mascarado

"Quando um filme tenta exprimir idéias novas tem que empregar também novas formas de linguagem, mas acontece que não há uma nova percepção e nem uma nova maneira do público em assistir aos filmes. É por esse motivo que quero me realizar mais como artesão do que como autor.Minhas preocupações são desprezíveis diante dos problemas da realidade brasileira. Desprezo meu mundo em favor de uma estratégia coletiva".

Quem diz isso é Rogério Sganzerla, um dos mais jovens e o mais queimado diretor do cinema brasileiro. No fundo, este cinema deve estar contente, porque O Bandido da Luz Vermelha ainda continua sendo discutido pela intellingentzia subdesenvolvida, e o filme vai representar o Brasil em Cannes. Repelido pelo Cinema Novo, que sabe que do ponto de vista político Rogério é um oportunista, ele está sendo usado pelo INC como contemporizador entre a reação e o progresso.

"Meu filme deverá causar um certo choque na platéia européia por ser bizarro e criativo, excitando a atenção do público.Não gosto de discutir sobre cinema velho ou novo,pois o problema é todo de criatividade e imagem".

Bem se vê a crise em que Rogério se meteu, por ter tentado criar um outro "movimento" dentro do cinema nacional. Se o Cinema Novo o tivesse aceito, Rogério estaria descendo a lenha no cinema velho, mas isso não aconteceu e Rogério está no ar, indefinido entre o novo e o velho. Sganzerla está queimado na praça, e dizem que não conseguirá fazer um terceiro filme. Mas o segundo já está ficando pronto e chama-se Ângela Carne e Osso, A Mulher de Todos.

"Ângela, ao contrário de Luz Vermelha, é um filme tranqüilo, fácil de entender. É um filme pouco falado, sem nenhuma perturbação, e deve surpreender por ser completamente diferente do meu primeiro longa metragem. Sei que um dos motivos pelo qual O Bandido não foi aceito é porque tinha muita informação e pouca redundância. Por isso vou agora inverter o esquema. Não quero fazer um filme comercial, mas um filme de bom gosto e que assim seja comercializável.

Essa entrevista fica por aqui, pois embora como crítico eu goste de Luz Vermelha, só tenho a falar mal de Rogério como pessoa, e isso não farei, porque é isso que ele espera: "falem ma, mas falem de mim", é o lema deste cineasta.


NA FOTO: Jorge Karan e Bibi Vogel numa cena de TONHO, faroeste 100% nacional dirigido por Ozualdo Candeias.


JAIRO FERREIRA

(São Paulo Shimbun, 3 de abril de 1969)

2.6.07

Condensadores e Diluidores

Tenho 22 anos. Gosto dos Irmãos Campos, Décio, Sganzerla, Bressane, Jairo Ferreira e outros poucos.Os boçais tomam uísque comemorando a Semana. Os intelectuais continuam brincando de roda aos 50 anos. Saí do meu caixão ontem e fiquei (§) com os diluidores. Detesto os pré-socráticos O nudismo transatlântico não é a solução. Essa gente ainda não tem remédio de vida. Estão com o estômago vazio. Não entendem nada da minha antropofagia. Tupi continua sendo not tupi. Meu nome é Oswald de Andrade e não gosto de diluição.

No decorrer deste ano milhões de besteiras vão ser proferidas, filmadas, televisionadas e diluídas em nome da Semana de Arte Moderna que comemorou 50 anos desde que aconteceu. Oswald não vai tolerar essa repressão. Vai sair da tumba como se fosse um vampiro e romper a barreira de silêncio & burrice que.tem se erguido a seu redor esse tempo todo. A Janira que é Santiago já emprestou seus dentes de vampira para que Oswald possa deixar as marcas de seus dentes no pescoço dos condensadores & diluidores. E eu que sou Jairo Ferreira e não tolero diluições vou publicar meu primeiro livro marcando meio século de incompreensão: Cinema Ainda é a Melhor Diversão, contendo mapas culturais, roteiros contraculturais, sintaxes da meta-comunicação, iconografias de olhares, à esquerda e à direita como se o cinemamericano fosse o único. E essa mesma barreira de silêncio & burrice vai se erguer e se prolongar a meu redor, como se eu fosse uma extensão dos condensadores & diluidores, e não de 'Oswald.

Alguns condensadores: Batista mais que nunca com Paulicéia Fantástica, Callegaro, Sganzerla, Mogica com Ritual dos Sádicos. Carlão Reichenbach se definiu como diluidor com seu episódio anti-implosivo em Audácia e JS Trevisan com Orgia numa ambigüidade entre implosão & explosão. Não se conheceu melhor condensador que Jean Claude Bernardet. Sérgio Augusto podia fazer alguma coisa mas preferiu se diluir no Pasquim. E Márcio Sousa que é um gênio se apagou na Zona Franca fazendo jingles como se fosse Sebas, Enzo & Gallegaro. Tudo isso é altamente vergonhoso, como o fato de Ana Lúcia franco estar fazendo fotonovela apenas pra sobreviver, sem nenhuma mística e/ou esquizofrenia. Realmente os marimbondos estão moribundos agora que estamos na janela com "p" temperando o bispo Sardinha, o Omeleto de Candeias & os cambaus da Cabala reaça, todos em corrente alternada do 110, portanto de baixa temperatura informacional e sem nenhuma voltagem revolucionária. Acabei de proferir uma conferência sobro metacinema numa padaria sem massas. Me declaro enojado de tudo.

Agora aprendemos a ler/ver, relevar, rever/reler com olhos livres. Tal como Rubens Torres, o Edmar sacou que o lance é o deboche, o desdar sem "boom" & a avacalhação da Ioga porque só o Ocidente pode devorar o Oriente: Edmar já qarantiu uma lata de negativo no meu LM libertário com suas tapeçarias anuais transadas ao redor e Inside a grande cratera marciana. Foi multo bom adentrar o Oriente desorientado dos novos sistemas intergalaxiais. Foi multo esclarecedor. Só Artaud poderia ver discos voadores na Barra do Una. E agora aprendemos a revelar/relevar. Estrelas fechadas em negativos fotográficos. Meu nome é Oswald. Não gosto de diluição. Prefiro plantar bananeira que fazer Ioga.

Cineastas do corpo ou da alma, todos podem im/explodlr desde que juntem e jantem suas forças criativas e/ou metacriativas ou não. Foi o que aconteceu quando celebrei com galalites intergalaxiais minha curtida e não cortada versão sem diversão de uma fotoaudioqrudi: Dias Melhores Virão, Cremilda, produção em mosaico JF, setembro 71, o funeral da Boca do Lixo ao som de Rimbaud, Lautréamont e textos melhores que redigi como se fosse um locutor. Isso Ana Lúcia observou bem. O resto das transas só a Áurea sabe. E a sucata do Lixão está nas mãos do Chiquinho, montador emplumado que sabe das coisas porque compra o Shimbun na Rodoviária para ler e rir com essas besteiras criativas.

Atenção Kokuro, fiz o metajornal ao votar os melhores nos Diários reproduzidos no JT, e é por isso que vou a Tókio saber do udigrudi japonês. Favor reservar essa passagem na Univertur, OK? Não aguento mais essa falta de know how. Fui ver A 300 Km/Hora, com Roberto Carlos, um filme devagar quase parando (em cartaz no Pigalle etc). Entramos em 72 como se fosse 84. Ser gênlo aqui é ser idiota. Por isso preferi, caros leitores, o reverso da medalha.

JAIRO FERREIRA

(São Paulo Shimbun, 6 de janeiro de 1972)