15.7.07

Pornochanchada: A autocrítica de seu profeta

Quando realizou "Adultério a Brasileira", em 1969, acumulando as funções de roteirista, produtor e diretor, Pedro Carlos Rovai não imaginava que esse filme, ao lado de "Os Paqueras", de Reginaldo Farias, iria deflagrar a onda da comédia erótica, que ficou mais conhecida como pornochanchada. Ele dirigiu também "A Viúva Virgem" (1972) e "Ainda Agarro Esta Vizinha", consideradas como ponto alto do movimento pornochanchadeiro. Seu penúltimo filme (o último também é promissor: "Gente Fina é Outra Coisa", comédia de António Calmon a ser lançada brevemente), agora como produtor bem sucedido, é "O Ibrahim do Subúrbio" (em cartaz nos cines Windsor, Del Rey e circuito), uma comédia de costumes, ambientada nos subúrbios do Rio. Rovai fala sobre esse filme:

– O que eu pretendo agora é desenvolver o lado caricato da pornochanchada, porque ela não interessa mais como fórmula. O filme é uma tentativa ao mesmo tempo de espetáculo e dramaturgia, partindo do riso para chegar quase a um cinema de reflexão. Os personagens já não são "figuras" da sociedade, mas outros bem diferentes: a fome é o personagem do episódio "Roy, o Gargalhador", dirigido pelo Astolfo Araújo e, no outro episódio, que dá titulo ao filme, o personagem é a alienação.

Embora não tenha dirigido o filme, Rovai foi argumentista do episódio sobre a alienação e, como produtor, continua fazendo um cinema pessoal, desenvolvendo sua temática preferida: problemas da pequena classe média. Por que ele não dirigiu o filme?

– Eu me tornei produtor para não sair do cinema. Depois dos sucessos que foram "A Viúva Virgem", e "Ainda Agarro Esta Vizinha", fui me tornando cada vez mais inquieto e critico em relação a mim mesmo. Não sou de me embasbacar diante do sucesso e não quis justificar posições. Fiquei em pânico quando percebi que todos esperavam que eu fosse me acomodar na fórmula e continuar na repetição. Esses dois filmes eram lances pessoais, com um lado lúdico, trabalhando em cima do deboche com raiva de não poder fazer melhor. Eu me recusei a trair o popularesco e percebi que poderia usar essa dramaturgia do caricato e do grotesco como uma espécie de carpintaria para lazer um filme de reflexão. E "O Ibrahim do Subúrbio" é um primeiro passo nesse sentido.

Com um agudo senso de observação, Rovai acompanhou todo o desenvolvimento da pornochanchada, que utilizou a mesma fórmula do sucesso fácil e garantido durante cinco anos (entre 1969 e 1974). Ele acha que possui uma espécie de "iluminação" e, em 1975, produziu um filme que praticamente dá por encerrado o ciclo pornô: "Luz, Cama, Ação!", uma comédia que coloca em discussão esse tipo de cinema e denuncia a utilização inescrupulosa da fórmula que se reduzia a muitas mulheres nuas e algumas piadas de mau gosto.

– Fico doente só de imaginar que uma fita minha não tenha público, embora isso nunca tenha acontecido. E não sou de controlar o borderô, ficar em cima da renda. Prefiro ficar acompanhando as reações do público.

O cineasta, atualmente com 38 anos, começou sua carreira como cineclubista em São Paulo, no Centro Dom Vital, na época de Jean Claude Bernardet e Gustavo Dahl. Depois dirigiu dezenas de documentários e foi assistente de direção de Luiz Sérgio Person em "São Paulo S/A" (1965). Quando ele terminou "Adultério a Brasileira", em 1969, passou a acompanhar o comportamento do público em todos os cinemas. Ele recorda:

– Eu ia em vários cinemas por dia onde meu filme estava em cartaz. Ficava na porta do cinema, depois entrava e ia observar o público. Não esqueço a reação de alguns operários, em Santo Amaro, quando eles pararam em frente ao cartaz de "Adultério a Brasileira", um cartaz enganador como qualquer outro, anunciando sexo e vendendo o produto. Eles olharam durante bom tempo as fotos expostas e depois começaram a contar o dinheiro que tinham no bolso. Eu fiquei com terrível sentimento de culpa e subi até a cabine de projeção. Havia uma cena em que a Jaqueline Myrna ficava um tempão em frente ao espelho, expondo uma espécie de "tédio pequeno burguês". Eu não tive dúvida: dei uma gorjeta ao projecionista e comecei a cortar essa cena no próprio projetor, como se fosse uma moviola, porque aqueles operários certamente queriam ver um filme alegre, enquanto não havia nenhuma alegria naquela e em outras cenas. No total, cortei uns 12 minutos do filme. Eu estava tão preocupado com esses espectadores que, de certa forma, era como se eu quisesse fazer na hora o filme que eles queriam ver.

Os filmes de Rovai, incluindo "Os Mansos" (1973) e "Lua de Mel e Amendoim" (1970), bateram alguns recordes de bilheteria, mas ele garante que não está rico:

– Cinema só é bom negócio para os exibidores e importadores de filmes. O exibidor fica com 50% da renda, enquanto o distribuidor leva seus 25%. Calcule-se 30% sobre os 50% do exibidor. E o produtor, que é o ultimo a receber, fica apenas com 30% da renda bruta. Isso é bom negócio?

Jairo Ferreira

(Folha de S. Paulo, 22 de junho de 1977)