7.9.07

O lixo – A Boca faz dez anos

Quem passa pela rua do Triunfo, nas imediações da Estacão da Luz, logo percebe uma estranha mistura de hotelecos, barbearias, botequins de segunda categoria e dezenas de vitrines com cartazes de cinema. No trecho entre a rua Vitória e Gusmões, em especial, concentra-se a qualquer hora do dia uma fauna das mais originais, mas que certamente não se confunde com a fauna noturna que domina a área. "Não é moralismo não, mas a policia nunca me pediu documento aqui no pedaço, porque eu posso ter cara de marginal, mau sou antes de tudo um profissionalde cinema", diz um conhecido técnico que faz ponto no bar Soberano.

Há uns cinco anos atrás, muitos diretores de cinema ainda tinham falsas veleidades e não gostavam de serem chamados de "cineastas da Boca do Lixo". Agora a situação mudou multo, pois até os mais aristocráticos (!) foram obrigados a frequentar o pedaço, que concentra desde produtoras até distribuidoras nacionais e internacionais.

O diretor Ozualdo Candeias, por exemplo, resolveu fazer um livro sobre o pessoal que frequenta a Boca do Lixo: "Não é bem um livro, talvez seja um almanaque, onde os diretores, técnicos e atores falam sobre cinema". Um repórter pergunta: "Candeias, onde é que você pode ser encontrado?" e ele responde: "Bem, quando eu não estou fazendo nada, eu venho aqui pra Boca: agora, quando tenho o que fazer também termino vindo, pois o pessoal está sempre aqui e é daqui que partem as equipes de filmagens e tudo mais". Ele não tem falsa modéstia e, fazendo um livro que terá certamente grande validade, pelo menos como informação, coloca-se na posição de quem não está fazendo nada, "só dando um questionário pra uns e outros ir respondendo".

O pessoal de cinema discute multo entre si sobre a "origem da boca". Os distribuidores dizem que foram os pioneiros, pois já estavam ai desde o início do século, despachando filmes estrangeiros pela Estação da Luz, o que explica a sua proximidade geográfica com a rua do Triunfo. Mas os produtores é que começaram a fazer movimento na Boca e, exatamente há dez anos, Candeias realizava o primeiro filme da Boca, filmando na própria Boca: "A Margem", de 1967, é frequentemente citado como o filme que "abriu a Boca".


A "estrela Boca do Lixo" entre os colegas David Cardoso e Antonio Meliande

- "Olha, o problema é o seguinte: este ano, a Boca comemora dez anos de existência, nós juntamos o pessoal todo e a finalidade é comemorar. Eu não falo em organizar. Eu estou contando com a colaboração de todo mundo pra fazer esse levantamento, mas a Boca é muito mais que isso ou muito menos também, depende do que a pessoa espera dela", diz Candeias, tentando explicar a atual efervescência que se vê no quarteirão.

"Nós começamos por fazer uma festa no fim e início deste ano, conseguindo até interditar a rua do Triunfo. Parece que em fins de ano se costurna fazer essas festas do "amigo secreto". Nós fizemos uin négocio diferente, bolamos urna outra jogada, convidando todo pessoal interessado. E fizemos uma distribuição de prêmios entre nós mesmos, mus também convidando criticos (vieram o Jean Claude Bernardet e o Renato Petri) pra participar ou simplesmente assistir, sei lá", completa Candeias.

Os iluminadores e fotógrafos da Boca resolveram atribuir prêmios – em medalhões com inscrições, feitos sob encomenda – ao melhor assistente de câmara (Miro Reis), melhor chefe eletricista (Souza) e melhor maquinista ('Padre). Os diretores de cinema deram os prêmios "Estrela Boca do Lixo" (Claudete Jaubert) e "Astro Boca do Lixo" (Tony Vieira). Houve ainda o prêmio "Vênus Lixete", o mais curioso deles: a atriz premiada (Denise) preencheu o principal requisito, pois foi a que mais desfilou durante o ano em busca de um papel no cinema, "seja com ou sem fala", proeza que finalmente conseguiu (com fala).

As festas de comemoração dos dez anos da Boca do Lixo deverão continuar durante o ano. Há Inclusive um projeto, já encaminhado à EMURB (Empresa Municipal de Urbanização), destinado a transformar o piso da rua do Triunfo, que deverá ter os nomes de atrizes, atores e diretores inscritos em letras brancas, talvez rodeados de estrelas à maneira de Hollywood

Jairo Ferreira

(Folha de S. Paulo, 14 de janeiro de 1977)

1 Comments:

At 15:14, Anonymous Anônimo said...

comecei a ler seu livro ontem. Cinema de Invenção está para o cinema, assim como Raizes do Brasil está para a Sociologia.

Muito bom, muito mesmo. Quero saber se vc pode rabiscar a página de rosto. estou em sp e qualquer dia da semana esatrei disponivel.
abraços

 

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